SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Dia Internacional da Mulher, comemorado nesta segunda-feira (8), será pela primeira vez em um contexto de isolamento social. Se em 2020 a pandemia estava prestes a estourar (com vários casos já registrados a essa altura), desta vez é hora de fazer um balanço de como a vida mudou nos últimos 365 dias.
Apesar de ainda haver muito o que caminhar nas pautas coletivas, há quem veja motivos motivos para comemorar nas pequenas conquistas pessoais. Foi o caso da professora e pesquisadora Eliana Loureiro, 42, que viu uma mudança de endereço ecoar em diversas outras áreas da vida.
"Eu resolvi vir morar na praia porque não aguentava mais ficar presa dentro de casa, ouvindo buzina", diz a atual moradora do Guarujá (litoral paulista). "Eu morava em um apartamento bem pequeno em São Paulo. Meu filho tinha saído de casa para fazer faculdade, mas com a pandemia acabou voltando. De repente, ficamos os dois presos dentro de um apartamento pequeno. Foi quase enlouquecedor."
Foi aí que ela teve a ideia de se mudar para o apartamento da família, onde cada um teria seu próprio quarto e ainda teriam a vantagem de ver o mar e ouvir o barulho das ondas. "Só de olhar o horizonte, um espaço aberto abriu dentro de mim", comemora.
E realmente a mudança de endereço não foi a única pela qual Eliana Loureiro passou na pandemia. Ela parou de fazer coisas que nem entendia muito bem o motivo. Entre elas usar lentes de contato, salto alto, cinta compressora e sutiã com ferrinho. "Ganhei peso com a pandemia, mas está tudo bem", diz. "Não vou ficar com raiva e me penitenciando. Estou curtindo esse novo momento."
"É tanta coisa que a gente se autoimpõe como mulher para ficar bonita", conta. "Me incomoda muito não poder perguntar para a mulher a idade, por exemplo, é uma prisão. Quero poder ter orgulho de envelhecer e ter a minha idade. A única serventia da mulher é se ela for jovem e bonita? Para quem eu preciso ser essa mulher? Eu não quero ser admirada pela beleza, mas pelo meu cérebro."
Eliana Loureiro afirma que não pretende voltar a usar esses artifícios estéticos quando a pandemia passar. E essa segurança foi conquistada em parte pela maturidade e em parte pelo tempo que ganhou ao ser obrigada a ficar mais tempo sozinha.
"Fui obrigada a defrontar algumas coisas que eu nunca tinha conseguido porque eu não parava, estava sempre correndo de um lugar para o outro", diz. "Era como a Alice [personagem do clássico infantil "Alice no País das Maravilhas"], sempre correndo atrás do coelho branco, e não parava para me olhar."
"Ficar preso, quieto, fez a gente olhar mais para dentro de si mesmo", avalia. "Ficar com você mesmo te obriga a se encarar. Apesar de a pandemia ser um momento horrível, veio um autoconhecimento muito grande. Tinha coisas que eu fazia no piloto automático, que não eram tão necessárias para mim."
A pesquisadora diz que conversa com as amigas sobre o assunto. "A gente vivia num mundo 'mais, mais, mais'... Precisava encontrar muita gente, comprar muitas coisas... Agora estamos num mundo 'menos', você não precisa de tantas roupas, de tantos eventos", afirma.
Ela diz ainda que o Dia Internacional da Mulher é uma data importante para lembrar que, apesar desse ganho pessoal dela, ainda falta muito para as mulheres sejam tratadas com equidade no mercado de trabalho. "Quer dar uma florzinha? É ok, mas não é assim que a gente chega na igualdade", lembra. "Acho que estamos caminhando, faço parte de vários grupos para ajudar a inserir mulheres na minha área. Se não der mais para a minha geração, que pelo menos seja para as próximas."
SE ACOSTUMANDO
A bacharel em direito Gislene Moreira de Oliveira, 33, moradora da zona sul de São Paulo, diz acreditar que na área dela, as mulheres são mais respeitadas do que em outras. "Tenho uma amiga que é engenheira civil e ainda recebe muita piadinha."
Ela afirma que já conversa sobre igualdade entre homens e mulheres com o filho Ricardo, de nove anos. "Essa geração já está diferente, eles ouvem sobre isso desde cedo, em casa e na escola", diz. "E, para deixar claro, não é porque queremos direitos iguais que é para nos mandar rebocar uma casa ou fazer um trabalho braçal. Queremos tratamento igual para pessoas iguais e diferente para quem é diferente."
Em casa, Oliveira diz que ensinou o filho a lavar o prato em que come e a forrar a cama, entre outras tarefas domésticas. "Não quero que ele se torne um homem machista, que não faça nada em casa porque é 'coisa de mulher'", explica.
E o exemplo vem de casa mesmo. Enquanto ela está em home office, o marido, Douglas, trabalha fora, mas quando retorna faz a parte dele. "Meu marido lava louça, lava roupa e divide comigo a criação do meu filho", conta.
Oliveira afirma que a pandemia aumentou o volume de tarefas e que ainda tenta deixar tudo em ordem. "Equilibrar tudo ainda tem sido complicado, mas a gente tenta", diz, aos risos. "A gente está tentando se adaptar a esse novo mundo."
Uma das coisas que ela tomou coragem para fazer foi o BC (ou "big chop", grande corte em português). É como as adeptas dos cabelos naturais chamam quando, após pararem de aplicar química no cabelo, elas cortam toda a parte dos fios que estão alisados e ficam apenas com a porção cacheada.
"Vi outras mulheres de cabelos cacheados e resolvi fazer", lembra ela, que havia alisado os cabelos com chapinha pela primeira vez aos 15 anos e, desde que tinha 20 anos, fazia escova progressiva sem interrupção. A data escolhida para o BC não poderia ser mais emblemática: 20 de novembro, quando é celebrado o Dia da Consciência Negra.
"Resolvi assumir a minha negritude", celebra. Ela diz que ainda não está totalmente à vontade com a nova imagem. "No começo, estranhei um pouco, ainda estou me acostumando. É sempre meio difícil se adaptar a qualquer novo visual."
Por isso mesmo, o fato de ter passado pelo BC na pandemia foi mais tranquilo para ela. "Como não estou saindo de casa, acredito que seja mais fácil, porque você não precisa se mostrar para as outras pessoas", afirma. "O cabelo é a autoestima da mulher, em casa da gente fica mais à vontade."
Gislene Moreira de Oliveira diz que essa atitute foi tomada pensando não apenas no ganho para si própria. Ela afirma que gasta quase tanto tempo e dinheiro para manter o cabelo crespo bem tratado quanto na época do alisado. Porém, passou a se sentir admirada.
"Fiz pensado também em inspirar outras mulheres", afirma. "Eu vejo uma admiração por parte de outras mulheres que pensam em fazer o mesmo. "Tudo o que eu possa fazer para apoiar as mulheres hoje em dia, vou fazer. Isso que eu fiz é um gesto de apoio."
AO NATURAL
Foi nesse sentido que Priscila Barros, 36, criou o Clube das Grisalhas, no Instagram. A atriz e administradora, que mora na zona norte de São Paulo, diz que a pandemia deu o impulso para que ela assumisse os cabelos brancos.
"Eu nunca pensei em grisalhar", afirma. "Tenho cabelo branco desde os 18 anos e sempre tingi. Na minha família, nunca nenhuma mulher assumiu e eu mesma tinha um certo preconceito, quando via alguém com os fios brancos ficava julgando."
Quando a pandemia chegou, ela diz que deixou de pintar para não gastar. "Aí eu fui deixando porque estava trabalhando em casa mesmo", lembra. Foi em março de 2020, quando a empresa para a qual ela prestava consultoria encerrou o contrato, que ela precisou sair de casa.
Ela aproveitou a saída para fazer um vídeo mostrando como estavam as ruas, que viviam o começo do período de isolamento social. "Chegando em casa, fui editar o vídeo e gostei do meu cabelo", conta. "Achei que iluminou o meu rosto."
Barros diz que pensou em abandonar as mechas brancas quando conseguiu o próximo emprego. "Minha função era lidar com o cliente, vai que ele achava que eu era relaxada ou malcuidada", diz. Foi quando ela pensou melhor: "Não quero trabalhar em uma empresa que vai me julgar por isso".
A profissional diz que foi bem recebida e que, ao contrário do que imaginava, começou a ser elogiada. "Rola uma admiração", diz. "O grisalho me trouxe mais força, me sinto blindada do preconceito. Não é uma coisa só minha, ouço muito isso das mulheres. Não sei se é por ser algo incomum, mas me sinto muito especial.
"Eu me descobri sendo grisalha", compartilha. "Sempre fiquei buscando a cor perfeita, sendo que ela estava comigo o tempo todo." E ela afirma que não se trata de algo passageiro. "Se eu vou ficar para sempre assim não sei, porque sou camaleoa, mas não é um modismo, é uma reapropriação de si, um ato político", explica. "Todo mundo tem ou vai ter cabelo branco, mas ele remete ao envelhecimento. A mulher não pode, mas no homem é considerado charmoso, sexy. Por quê?"
Mãe de um rapaz de 18 anos e solteira há cinco ("graças a Deus"), ela afirma que costuma fazer uso de aplicativos de paquera. "Meu engajamento no aplicativo deu uma caída", lamenta. "Por outro lado, quando conheço alguém já é mais direcionado, a aproximação é mais seletiva. O homem quando olha para uma mulher grisalha sabe o que vai carregar. Ele vai entender a mensagem que essa mulher é 'foda'."
"Durante a pandemia, tive os meus flertes virtualmente, mas está bem triste nessa parte", diz Barros, em tom de brincadeira. "Eu sou uma mulher muito bem resolvida, hoje eu busco alguém para andar do meu lado, nem na frente nem muito menos atrás."
O dinheiro que ela gastava com tintura, Priscila Barros tem guardado para viajar. Já o tempo livre extra, ela tem usado para interagir com as mais de 15 mil seguidoras. "Tento sempre enxergar em que posso melhorar, essa é a nossa função nesse mundo", afirma. "Eu ficava cinco horas olhando o catálogo das cores, gastava muito com perfumaria."
Sobre a pandemia, ela diz que, apesar dos pesares, foi privilegiada. "Ficar em casa todo esse tempo foi incrível porque eu li bastante, assisti bons filmes e séries, fiquei muito mais próxima do meu filho e dos meus cachorros", comemora. "Precisava dessa pausa para entender outros lados de mim."
Mesmo assim, ela admite que não foi fácil assumir as várias responsabilidades cotidianas sozinha. "Quando estou trabalhando é difícil, tenho que limpar, lavar, não passo porque em casa não precisa, mas tenho que dar banho nos cachorros, fazer comida... é exaustivo."
Barros diz que já enfrentou no trabalho situações como desigualdade salarial, além de piadinhas de colegas a respeito da capacidade profissional das mulheres. "Não quero mais isso para mim", afirma. "Acho triste quando chega o Dia Internacional da Mulher e a empresa coloca uma rosa na sua mesa, mas cadê os valores? A mulher tem que ser respeitada, não tem motivo para essa desigualdade ainda existir."
JORNADA TRIPLA
Para a psicóloga e sexóloga Ana Luiza Fanganiello, essas mudanças de padrão estético são bem-vindas. "Existem alguns movimentos de ganhar um espaço que não existia antes, o online permitiu sair um pouco dessa rotina de ir até o trabalho, então sobrou mais tempo para olharmos para dentro."
"Eu acho que a gente vai conseguir tirar algumas coisas importantes desse momento", afirma. "Outras, infelizmente, vão voltar ao mesmo lugar quando o isolamento social diminuir. Questões como depilação e uso de sutiã com bojo e arame, por exemplo, são coisas incômodas, mas a gente faz para se manter dentro de um padrão."
"O padrão estético é muito mais exigido da mulher", lembra. "Essa exigência chega de formas diferentes para a mulher e para o homem. Homens com alopécia, falando de um caso extremo, têm até grupos do tipo 'é dos carecas que elas gostam mais', já a mulher é vista como descuidada."
"De qualquer forma, é um movimento interessante que algumas pessoas estão conseguindo fazer", afirma. "Muitas estão conseguindo se libertar de coisas que não fazem mais sentido para elas. Tenho pacientes trans que conseguiram fazer a transição nesse momento por se sentirem mais protegidas."
Ela lembra ainda que não dá para falar de mulher na pandemia sem lembrar da jornada tripla a que elas são expostas -além de trabalhar, elas precisam cuidar da casa e dos filhos. "Pensar no que a pandemia fez com o femenino é também falar dessa carga exaustiva que acabou ficando por ser mulher", afirma.
"Por mais que eu divida com o meu marido, existe um esforço maior agora de como separar o trabalho da vida privada", avalia. "Tenho visto muitas pacientes estafadas, se sentindo muito culpadas. Uma coisa é deixar o filho na escola e outra bem diferente é ele estar em casa tentando assistir à aula online. A mãe que se sente responsável."
Mãe de uma menina de dois anos, a psicóloga diz ainda que não é preciso muito para que os homens sejam bons companheiros neste momento. "Se eles forem adultos funcionais já está de bom tamanho", brinca. "Fazer a parte dele na casa e dividir a questão da educação dos filhos é o básico. Tem homem que lava a própria louça e já acha que está fazendo muito. Não é isso, é participar junto, dividir meio a meio."
"O principal é não cobrar como se essas tarefas fossem de responsabilidade exclusiva da mulher", lembra. "Em casa, às vezes eu e meu marido estamos exaustos. Se a minha filha está virando um pote de tinta no meio da sala, a gente tira par ou ímpar para saber quem vai correr lá (risos)."
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