“A primeira regra do clube da luta é que você não fala sobre o clube da luta.” Sem dúvidas, esta é a regra mais quebrada da história. A citação vem do livro escrito por Chuck Palahniuk, o Clube da Luta e que anos depois, foi adaptado por David Fincher para os cinemas, tornando-se um fenômeno mundial. Tanto o filme quanto o livro abordam críticas sobre a ideia de masculinidade e se pautam na discussão pessimista sobre o hiperconsumismo presente no final do século XX. Para compreender essas críticas, é preciso analisar justamente a sociedade norte-americana nessa época.
Nos anos 90, crescia nos Estados Unidos uma insatisfação com o sistema de trabalho vigente, que não possuía muitas leis que garantiam os direitos dos trabalhadores, marcado por desigualdades sociais e alta exploração da mão de obra. O Clube da Luta, se apresenta como uma manifestação artística dessa insatisfação.
Na história, acompanhamos um homem comum, que apesar de ter conseguido alcançar o sucesso, de acordo com os padrões sociais, é infeliz, vazio e sofre de insônia. Ele trabalha em um emprego que odeia pra comprar o que não precisa e busca nessas compras a sua identidade, que nunca é verdadeiramente alcançada. O que o faz trabalhar mais para consumir mais e viver constantemente nesse ciclo vicioso.
Basicamente, o protagonista se vê preso no dilema filosófico da pós-modernidade: “Compro, logo existo?”. Ele, por não conseguir se abrir com seus colegas de trabalho e amigos, começa a frequentar grupos de apoio onde ele pode chorar sem ser julgado.
Porém, a história sofre uma reviravolta quando ele conhece Tyler Durden, um homem que vende sabonete e trabalha por conta própria. Tyler, apresenta ao narrador uma nova forma de ver o mundo, questionando o sistema capitalista e usando da violência para alcançar essa identidade perdida, o que funciona justamente como uma sátira ao ideal de masculinidade dos anos 90, que sempre era associado à violência. Assim, eles fundam o clube da luta, um clube ilegal de boxe que acontecia nos porões dos bares semanalmente. É justamente lá que Tyler expõe sua filosofia e ela sai do controle.
“Eu vejo no clube da luta os homens mais fortes e espertos que já existiram. Eu vejo todo esse potencial e eu vejo isso desperdiçado. Nós somos os filhos do meio da história, cara. Nenhum propósito ou lugar. Nós todos fomos criados pela televisão para acreditar que vamos ser milionários, deuses do cinema e estrelas do rock, mas nós não vamos.” Este discurso dito por Brad Pitt na adaptação para os cinemas sintetiza justamente o estado emocional de muitos homens na década de 90, onde os ideais de masculinidade, além de relacionados à violência, passaram a ser comparados com o poder aquisitivo.
Os homens estadunidenses da década de 90 cresceram sendo ensinados que ser homem é ter um carro milionário e uma fortuna no banco, o que gerava uma pressão social que os cobrava uma hiper produtividade nociva.
Hoje, com a maior entrada das mulheres no mercado de trabalho, essa cobrança constante de hiper produtividade não atinge somente os homens, mas a todos, sendo que esse ideal está sempre relacionado ao sucesso e a paz. Na obra, Tyler Durden é justamente um crítico à essa busca da identidade e da felicidade em bens materiais.
Tanto o filme quanto o livro não dão nome ao protagonista, e o motivo disso é uma representação indireta do vazio sentido pelo personagem, afinal ele é só mais um no mundo, como um produto em uma prateleira. Inclusive, diversos dos sentimentos do protagonista são representados de maneira indireta, como o de emasculação, representado por Bob, um dos frequentadores dos grupos de autoajuda. Ele trabalhou por anos como halterofilista, mas após um câncer o ter feito perder seus testículos, ele se viu obrigado a parar e acabou desenvolvendo mamas devido ao alto consumo de esteróides. Bob busca se encaixar novamente nos padrões de masculinidade impostos, mas sempre se vê frustrado por nunca conseguir alcançar esse ideal. E um dos lugares em que Bob, assim como o protagonista, passa a buscar essa identidade é no Clube da Luta, usando da violência para se adequar ao padrão social imposto de virilidade, funcionando como uma crítica.
Tyler é a representação - não tão indireta - desse ideal de masculinidade. Ele apresenta todos os traços que um “homem de verdade” deveria ter. Ele é forte, violento, não demonstra sentimentos e não sente dor alguma. Ele funciona como uma sátira a todas essas imposições sociais, e isso fica ainda mais claro no final do longa, quando Tyler diz ao protagonista: “Tudo o que você gostaria de ser, eu sou. Eu aparento o que você gostaria de aparentar. Eu transo como você gostaria de transar. Eu sou inteligente, capaz e o mais importante, eu sou livre de várias formas que você não é.”
Outra personagem que representa uma crítica às ideologias da época é Marla Singer. Marla é a companheira romântica do protagonista no longa e ela representa justamente a objetificação da mulher. Ela é vista por Tyler como um produto a ser conquistado, usado, descartado e exposto como troféu para promoção social. A insatisfação e a frustração dela com o narrador no final do longa é extremamente compreensível: “Você transa comigo depois me esnoba. Você me ama, você me odeia. Você me mostra seu lado sensível e depois se transforma em um completo babaca.”
O Clube da Luta se apresenta como uma obra atemporal, que marcou para sempre a história com críticas ao capitalismo e ao consumismo, além de funcionar como uma sátira a diversos ideais impostos pela sociedade. Hoje, o longa é considerado o 10° melhor filme da história do cinema segundo um ranqueamento feito pelo IMDB, portal extremamente relevante na área e sem dúvidas, continua marcando gerações com suas críticas extremamente atuais e significativas.
Com supervisão de Yeda Vasconcelos, jornalista do Meon Jovem.
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