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Pai contra Mãe: um conto machadiano de crítica, reflexão e dúvida

Uma resenha sobre o conto, provocando uma reflexão sobre como ele se relaciona perfeitamente com a nossa realidade atual

Fernanda Andrade

Escrito por Fernanda Silva de Andrade

01 JUL 2021 - 13H40

Reprodução

No conto Pai contra Mãe, Machado de Assis narra a história de Cândido Neves, um homem que, por não possuir habilidades necessárias para um trabalho e enfrentando dificuldades financeiras, passa a “caçar” escravos fugitivos. Mesmo nesse cenário, Cândido e sua esposa, Clara, optam por ter um filho. Entretanto, as dívidas eram tantas que Cândido teve de levar seu filho para a roda dos enjeitados - onde abandonavam-se crianças que ficariam sob os cuidados de instituições de caridade - pois não teriam condições de criá-lo. No caminho, encontrou Arminda, escrava de um homem que oferecia uma grande recompensa a quem a levasse de volta. O homem a capturou e a escrava, que estava grávida, ao lutar para tentar fugir, sofre um aborto espontâneo. Assim, Cândido consegue o dinheiro e leva seu filho para casa, enquanto Arminda conforma-se com sua perda.

Machado de Assis narra, de modo perspicaz, a realidade do Brasil Império, destacando a vantagem que pessoas brancas possuem em detrimento de pessoas negras. Entretanto, essa realidade reflete-se até hoje. Há uma fala muito marcante de Cândido no final do conto, na qual explica para Clara que “nem todas as crianças vingam”. Essa fala marcou muito minha leitura, pois, ao justificar sua ação dizendo que algumas crianças não sobrevivem, normaliza-se o fato que, devido a estrutura escravista e racista que perdura até hoje, poucas crianças negras “vingam”.

Em relação à situação de Arminda, apesar de representar uma crítica de Machado ao sistema escravista, representa a atual realidade de muitas mães de crianças negras. Logo quando li o conto, relacionei Arminda com a mãe de João Pedro, menino negro que caiu do alto de um prédio ao ser supervisionado pela patroa de sua mãe. É evidente que, nesse caso, assim como no narrado por Machado, o menino não “vingou” por conta da estrutura vigente, que submete sua mãe a um trabalho desgastante e que a prejudica para que as reivindicações de sua patroa sejam atendidas.

No fim do conto, confesso que é impossível julgar Cândido ou Arminda. Machado plantou essa dúvida a fim de criticar tanto o regime capitalista quanto o escravista, ilustrando Cândido como vítima do primeiro e Arminda e o filho como vítimas do segundo. Esse inteligente manejo de críticas e reflexões foi a principal razão de os meus olhos brilharem quando cheguei ao fim do conto: questionar esses sistemas foi um grande ato de resistência de Machado, principalmente se considerarmos que ele foi escrito em uma época tão problemática.

Assim, o conto “Pai contra Mãe”, apesar de ser publicado em 1906, pode ser facilmente relacionado à nossa realidade, na qual ainda estão presentes resquícios do sistema escravista, gerando falta de direitos à população negra no Brasil. Dessa forma, podemos observar que, apesar das conquistas desde o século passado, ainda há muita luta para que alcancemos plena igualdade no Brasil.

Escrito por:
Fernanda Andrade
Fernanda Silva de Andrade

Colégio Poliedro, São José dos Campos, SP

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