Caros leitores, em algum momento vocês devem ter se deparado com o termo “idade média”, ou ainda “idade das trevas”, e então se perguntado: “o que foi a idade média?”; para responder tal dúvida, foi produzida esta entrevista com o professor e pesquisador da UNIFESP Fabiano Fernandes.
O professor Fabiano Fernandes graduou-se em ciências sociais pela UFRJ no ano de 1996, realizou a pós-graduação na UFF com passagem pela universidade de Coimbra, realizou o doutorado com passagem na Universidade do Porto e realizou o pós-doutorado na USP; no momento está realizando o segundo pós-doutorado, sujeito a mudança da proposta temática.
Primeira pergunta: “Professor, o que lhe inspirou a estudar o tema idade média?”
Resposta do professor: “Essencialmente, a arte; o apelo artístico de obras literárias, poéticas e musicais como “Parcifal e o graal”, as óperas de Richard Wagner e poesia de Esenbach levaram-me a me interessar por todos estes temas. Eventualmente a idade média deixou de ser um interesse e tornou-se opção de trabalho, disto saiu minha primeira pós-graduação, com enfoque nas relações de poder entre os senhores e servos durante a idade média.”
Segunda pergunta: “Professor, o que foi a idade média? Seria a idade média a idade das trevas?”
Resposta do professor: “A idade média é um período convencionalmente entendido entre a idade antiga e a idade moderna, entretanto, esta classificação não retrata a complexidade de um período acima de tudo diverso; esta classificação foi criada numa sociedade muito distinta da moderna, com valores distintos dos nossos enquanto a ciência. Por isso a idade média é muito complexa, não há um evento que possa definir onde se inicia e onde finda este período, e o termo “idade das trevas” reflete preconceitos e visões dessas épocas passadas; a idade média como todo período histórico, teve seu quinhão de luz e sombras, muito nos lembramos de seus defeitos e crises, mas nos esquecemos de seus ensinamentos e de sua grande importância.”
Terceira pergunta: “Professor, como operava a sociedade da época?”
Resposta do professor: “Na idade média, mais que uma sociedade, você tem sociedades diversas; mas estas sociedades distintas possuem características comuns que vão se alterando no decorrer do processo histórico. A sociedade medieval era fortemente hierárquica, na qual a hierarquia era vista como sagrada aos olhos divinos, não podendo, portanto, ser perturbada. A maneira como a igreja católica, principal órgão de influência da época, classificava esta sociedade em três classes sociais: “oratore”, ou “aqueles que oram”, seriam os clérigos e membros da igreja, que na visão da época orariam pela alma de todos; “belatore”, ou “aqueles que guerreiam”, defenderiam a todos, estes seriam membros da nobrezas, cavaleiros e os demais com função de proteger e governar; “laboratore”, ou “aqueles que lavram a terra”, seriam os camponeses e trabalhadores rurais que trabalhariam de sol a sol, cuja função seria alimentar a todos e estariam subordinados ao poder da igreja e da nobreza. Nenhuma destas estruturas sociais eram fixas e as coisas foram se alterando ao longo da idade média. Em paralelo aos campos as cidades cresciam rapidamente, baseadas na prosperidade dos campos, que disponibilizava mais homens e recursos para edificação de igrejas, catedrais, monastérios e estruturas urbanas.”
Quarta pergunta: “Professor, como se dava a arte, a cultura, a ciência e valores da época?”
Resposta do professor: “A arte tinha uma ampla variedade, diferente do que por vezes é retratado, e sofreu diversas mudanças e influências; mas, irrefutavelmente, durante toda a idade média viu-se uma presença majoritária de temas religiosos e bíblicos na pintura, literatura, música e em outros gêneros artísticos da época. A presença da igreja na cultura, arte e ciência era absoluta; a presença de influências árabes e bizantinas impunha-se forte nas artes. Os valores eram religiosos e tutelados pela igreja, que, em base nas escrituras bíblicas e dos tratados dos ditos “doutores da igreja”, conduzia os valores morais da época. Os valores maiores eram fortemente embasados nas ditas virtudes teologais e virtudes cardinais, cujo impacto nos valores morais era imenso. Valores como a caridade e a coletividade eram extremamente importantes no cotidiano medieval, assim como os valores da fé e da lealdade aos seus senhores e a Deus. Os indivíduos tendiam a ser lidos pelo grupo que integravam e pela posição que nele exerciam, desta forma as ações eram tomadas em prol da coletividade, mediante aos valores religiosos e morais e em suas limitações. A ciência era embasada na doutrina da igreja e dos autores greco-romanos; os modelos científicos seguidos a época, nos atuais dias considerados pseudociências, qual a alquimia, astrologia, dentre outras, realizavam experimentos dentro de suas respectivas limitações, e a medicina era qual a medicina da antiguidade, baseada nos escritores gregos e romanos como Hipócrates e Aristóteles; nos períodos de peste a medicina sofreu amplas alterações, mediante a iminente necessidade.”
Quinta pergunta: “Professor, encerrando a entrevista, em sua ótica como profissional, a modernidade teria algo a aprender com a idade média?”
Resposta do professor: “A idade média, em suas limitações e virtudes, tem algo a ensinar aos tempos modernos; com todos os defeitos iminentes a esta época, havia um senso comum da importância da caridade e da importância da coletividade, sendo este segundo um senso que nossa época perdeu. Mesmo em profusão tecnológica, não desenvolvemos soluções para problemas simples, diferentemente da idade média, não por escassez de meios, mas pela ganância que leva o homem a dizimar seus iguais.”
Com supervisão de Isabela Sardinha, jornalista do Meon Jovem.
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