O poema épico de Homero, a Ilíada, retrata a famosa Guerra de Tróia: Helena vai com Páris até Tróia, o que começa uma guerra que dura uma década, a qual acaba depois da construção de um grande cavalo de madeira - aquela velha história que muitos conhecem. A obra, escrita na Antiguidade, é repleta de elementos mitológicos, como a presença dos deuses Apolo e Afrodite. Entre heróis como Odisseu e Agamenon, se destaca Aquiles, conhecido como “o melhor grego”, o melhor guerreiro. A pessoa mais próxima de Aquiles era seu companheiro, Pátroclo, e o relacionamento dos dois é um grande ponto de contestação.
O texto foi interpretado, recontado e adaptado incontáveis vezes através da história. Em especial, a escritora Madeline Miller, em seu livro A Canção de Aquiles, reconta de uma forma tocante os acontecimentos da obra; (confesso que quando acabei de ler fiquei deitada no chão do banheiro por duas horas, escutando Achilles Come Down pela banda Gang of Youths no repeat, refletindo, pensando).
Ela alcança esse efeito ao usar a narração pelo ponto de vista de Pátroclo, transformando a história de heróis e guerras em uma história trágica de amor.
Pátroclo é, originalmente, um personagem mais secundário. Ele é exilado de seu reino quando pequeno e passa a viver no reino de Peleu, pai de Aquiles. Os dois, ainda quando jovens, formam uma amizade muito forte que mais tarde virará uma paixão, um amor, na versão de Madeline.
Agora, não pense que ela surgiu com isso do nada. Na história original, há vários indícios do romance, mesmo que nunca seja explícito. Primeiramente, Aquiles e Pátroclo dividem uma tenda e uma cama mesmo depois de adultos, além dos gregos reconhecerem que o primeiro só ouve o segundo - Nestor até vai a Pátroclo para pedir a ele que convença Aquiles a voltar a lutar.
O primeiro pensamento de Aquiles ao receber o corpo de Pátroclo é cortar sua própria garganta; ele não quer viver em um mundo sem seu companheiro. Aquiles se recusa a dormir e comer por dias, e mantém o corpo em sua cama por um tempo. O herói mata Heitor, que matou Pátroclo, mesmo sabendo que estava destinado a morrer após a morte do troiano.
Aquiles recolhe as cinzas de Pátroclo - papel designado à mulher ou esposa do cremado - e ordena seus soldados a colocarem suas cinzas na mesma urna que as de Pátroclo se encontram, para que fiquem juntos por toda eternidade. No entanto, já que Homero nunca realmente falou que os dois eram amantes, vemos muitas interpretações diferentes ao longo das eras.
Na antiguidade clássica o relacionamento dos dois é retratado como romântico. Em obras de autores como Ésquilo, Píndaro e até mesmo Platão, os dois são descritos como sendo amantes, e na cidade-Estado de Atenas o relacionamento era visto como amoroso e comumente pederástico. Ésquines, orador grego, argumenta que embora Homero não afirme o caso explicitamente, as pessoas educadas deveriam saber ler nas entrelinhas.
Já interpretações durante o período pós-clássico, um pouco mais modernas, que estão sob a influência do cristianismo, pintam a amizade em um tom diferente. Como uma regra, sua amizade é exemplar mas puramente platônica, e os dois são heterossexuais. O escritor David Halperin (séc. XX) argumenta que enquanto alguns leitores interpretem a união entre os guerreiros como homossexual, é importante considerar os principais temas da amizade, que envolvem o amor recíproco entre dois amigos e a devoção sem qualquer tipo de dever ou hierarquia.
Shakespeare, por sua vez, retrata Aquiles e Pátroclo como amantes pelos olhos dos gregos.
Evidentemente, a interpretação do relacionamento entre Aquiles e Pátroclo depende muito das opiniões e das influências externas de cada um. E, como Homero nunca afirmou nem negou nada, e seria um pouco inviável tentar alcançá-lo milhares de anos depois, não tem problema. O importante é reconhecer o amor, a devoção, a dedicação, o carinho e o afeto entre os dois. O importante é reconhecer a pureza entre duas pessoas que estão lado a lado, em guerra ou paz, juntas.
O que eu acho? Eu gosto de pensar que eles eram envolvidos romanticamente, e acho que as evidências que suportam essa tese na Ilíada são bem concretas. A comunidade LGBTQIA+, ao contrário do que muitos pensam, sempre esteve aqui e sempre estará aqui, e a sua representação nas mais diversas mídias é essencial, mesmo que sejam mídias da antiguidade.
Aquiles, com sua arrogância. Pátroclo, com sua esperteza. Aquiles e Pátroclo, com sua história trágica, mitológica e maravilhosa.
Retornando ao motivo original desse texto, A Canção de Aquiles é um ótimo livro e, como eu disse antes, uma leitura que te prende e te emociona. Sempre gostei da antiguidade clássica e de mitologia grega, mas essa versão da história fez me apaixonar pela humanidade presente. Um amor, cultivado desde a infância, que superou anos e anos de violência e acaba de uma forma tão repentina, contado de uma maneira que te faz sentir tudo e mais um pouco: isso é A Canção de Aquiles.
Com supervisão de Giovana Colela, jornalista do Meon Jovem.
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