Por Meon Em Brasil & Mundo

Peça traz Denise Fraga sozinha em cena pela primeira vez

Pela primeira vez, Denise Fraga está sozinha em cena. Acostumada a trabalhar com elencos numerosos, com mais de uma dezena de atores ao seu lado, a atriz agora encena o monólogo Eu de Você. A escolha por um espetáculo solo poderia sugerir uma mudança de rumos na carreira. Ou uma necessidade de se adequar aos novos tempos - de orçamentos curtos e temporadas reduzidas. Mas não é nada disso o que está em jogo na peça em cartaz no Teatro Vivo.

Eu de Você é uma espécie de síntese de um projeto antigo, que Denise põe em prática desde 2008, quando estreou A Alma Boa de Setsuan. Para montar o texto do alemão Bertolt Brecht, e transformá-lo em um sucesso de público, a intérprete jogava com uma ideia: conciliar o humor, pelo qual ficou reconhecida, com um convite à reflexão. Como ser boa em um mundo em que é preciso competir pela sobrevivência?, questionava com a obra de Brecht.

Nas montagens que vieram na sequência: Galileu, Galilei (2015), também de Brecht, e A Visita da Velha Senhora (2017), de Friedrich Dürrenmatt, sabemos que a vontade de dialogar com a plateia persistia. Ao lidar com os dilemas éticos de Galileu - que acreditava ser possível aliar-se ao poder sem renunciar à sua liberdade - ou com os métodos de vingança da velha senhora, a atriz não parecia interessada apenas em montar grandes títulos do teatro universal. Mas, sobretudo, em levar seus espectadores a um percurso de questionamento e autoanálise. Primeiro, desarmando-os com o humor; depois colocando-os diante da dualidade entre o indivíduo e a sociedade em que vive.

O que muda nesta peça dirigida por Luiz Villaça é o formato. As histórias são mais curtas e os personagens vieram de episódios verídicos que a equipe de dramaturgia recolheu. Isso, porém, não altera o essencial. A intérprete volta a usar não apenas o riso, mas todo o seu poder de comunicação, para dialogar sobre assuntos encobertos pelo cotidiano frenético das grandes cidades. O que existe por trás dos funcionários sobrecarregados, das pessoas que já foram assaltadas, daquelas que vivem em condição de violência psicológica sem nem se dar conta disso? O que eu tenho a ver com isso?

Há uma personagem, Tânia, que funciona como uma espécie de fio organizador. Ela acorda cedo, tem de dar conta da casa e das crianças, e passa o dia trancafiada em um escritório tendo de lidar com um chefe obtuso. A partir dela, outras figuras vão surgindo, homens e mulheres quaisquer, com dramas a um só tempo comuns e extraordinários. Em meio a esses fiapos de narrativa, a dramaturgia também costura canções e trechos retirados de poemas ou romances. Tudo muito naturalmente, sempre sustentando um pacto de cumplicidade com quem assiste. É como se essa voz nos dissesse: Não estamos apartados da poesia - a beleza é também o que nos une, um lugar onde podemos nos reconhecer como semelhantes.

Para fazer da plateia sua cúmplice, a atriz se apoia em uma interpretação calculada, balanço delicado de verborragia e silêncios. Breves intervalos inertes, sem som e sem movimento, nos quais Denise transforma sua presença em um espelho para cada um dos seus espectadores.

No teatro contemporâneo, não se espera mais de um ator que transponha e imite um determinado indivíduo. O que essa artista faz, e faz com maestria, é gerir suas emoções com tal domínio a ponto de dar ao público a chance de entrever muitos seres em um só corpo. Enquanto é uma professora primária ou um homem que canta em um karaokê, Denise é sempre ela mesma. Ou a imagem que fazemos dela.

A ausência de um esforço mimético - ou seja, da intenção de replicar a realidade - confere a toda encenação um oportuno ar de simplicidade. Quando encontramos cada um desses esboços de personagens, descobrimos também o olhar amoroso que a encenação lhes dedica. Não é nunca um olhar que busca a falta, o erro, a culpa. O que se dá ali é um encontro de iguais - com suas fraturas e suas pequenas glórias. Com suas misérias e um fiapo de esperança.

O que essa atriz faz é nos guiar, como se fosse portadora de uma verdade antiga, como alguém que conhece a força dos rituais. Ela sobe ao palco e nos diz que está só. Não acreditamos. Denise Fraga, em Eu de Você, é uma multidão.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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